1 – O que é considerado musicalização com bebês?
Os bebês estão em constante desenvolvimento. O mundo é novo e os aprendizados chegam através da observação, da repetição e das experimentações. As aulas de musicalização para bebês consistem em encontros semanais com pais e filhos, num ambiente agradável, espontâneo e descontraído, no qual proporcionamos vivências que respeitam o tempo de cada ser. Nos momentos de carinho e amor, a criança é estimulada em seu desenvolvimento psicomotor. Durante esses momentos trabalhamos um repertório adequado para a idade, estimulando o vínculo afetivo entre a criança e a mãe, o pai ou responsável. Com isso, a família leva para o dia-a-dia as canções, brincadeiras, danças e movimentos, ampliando o repertório de interações. Como os encontros são prazerosos, os aprendizados chegam naturalmente. É aberta uma possibilidade para o desenvolvimento da fala e do canto, num contexto que favorece a criação e a experimentação. Os bebês afloram a musicalidade e a percepção auditiva a partir de brincadeiras. Se deparam com ritmos e melodias que farão parte do alicerce da construção dessa linguagem musical. Criamos a oportunidade da criança ter contato com outras pessoas e desenvolver a sociabilidade. E o bebê passa a conhecer limites e respeitar as regras. Trabalhamos com o desenvolvimento integral do ser. E é uma maneira de pais e filhos ficarem mais próximos. Reservam esse tempo para estarem juntos, num momento só deles.
Para Bréscia (2003) a musicalização é um processo de construção do conhecimento, que tem como objetivo despertar e desenvolver o gosto musical, favorecendo o desenvolvimento da sensibilidade, criatividade, senso rítmico, do prazer de ouvir música, da imaginação, memória, concentração, atenção, auto-disciplina, do respeito ao próximo, da socialização e afetividade, também contribuindo para uma efetiva consciência corporal e de movimentação.
2 – A partir de quando ela pode ser “ministrada”?
O bebê tem a possibilidade de participar das aulas de musicalização a partir do momento que pode sair de casa. Particularmente, prefiro sugerir esse início por volta dos sete meses de vida, período que, segundo T. Berry Brazelton, representa um dos marcos do desenvolvimento no qual o bebê passa a sentar sem apoio. Ao sentar sozinho o bebê vê o mundo de uma maneira diferente. Os músculos das costas e do pescoço estão mais fortalecidos e ele já descobriu como posicionar as pernas para se manter nessa posição. Não precisa mais do apoio dos braços, mesmo não conseguindo usá-los com muita liberdade. Nesse período também consegue pegar objetos e explorá-los com os dedos. Pequenas conquistas motoras chegam a partir da capacidade de sentar. Com essas aquisições a criança pode começar a aproveitar a dinâmica das aulas de música.
3 – Quais benefícios elas trazem para as crianças a curto prazo?
Estou há dias pensando nessa questão e na que a segue… Creio que cada ser é único, com suas habilidades, capacidades e limitações. E sendo assim, os benefícios das aulas de música irão variar conforme cada ser em cada momento distinto. São muitas variáveis e por isso se torna tão difícil dizer quais os benefícios que elas trazem para as crianças. Mas posso expor aqui um pouco do que foi descrito na literatura e também o que pude notar nesses anos de trabalho como educadora musical.
Acredito na música como alimento da alma. Então em cada encontro as crianças se nutrem de novos sons e tons. E o novo é o combustível da transformação que resulta no crescimento.
“Ao ouvimos uma música, o primeiro impacto é registrado por nossas relações afetivas em relação àquilo que ouvimos.” Afirma Ana Paula Cascarani.
A criança têm momentos de prazer e aprendizado. Dessa forma desenvolve o gosto pela música, tanto de fazer como de ouvir.
A exposição ao som comumente desperta os processos sensório-perceptivos do cérebro e estimula a atenção. O vínculo com a mãe, o pai ou o acompanhante é trabalhado constantemente. A música se apresenta como um dos mais completes objetos transicionais (Winnicott).
4 – E a médio e longo prazos?
A médio e longo prazos creio que o maior benefício seja o domínio de uma linguagem tão particular e expressiva. Gardner admite que a inteligência musical está relacionada à capacidade de organizar sons de maneira criativa e à discriminação dos elementos constituintes da música. Existe um ambiente favorável para o desenvolvimento do canto e da fala. Além disso, é dada a oportunidade à crianca de ter contato com outras crianças, favorecendo a socialização. Pode desenvolver a percepção auditiva e o senso rítmico. O repertório de canções e brincadeiras é ampliado. A cultura popular e o folclore são valorizados contribuindo para um resgate de nosso patrimônio cultural. Existe a possibilidade de benefícios para a memória. E a criança aprende a respeitar seu tempo e o tempo do coletivo. As regras são apresentadas. Assim como o silêncio. Aprende a ouvir e a esperar. Conhece o silêncio e os espaços. A música é uma forma completa de se vivenciar tempo e espaço. É criado um ambiente que favorece a criação e a livre expressão do ser revelando as potencialidades de cada um. As habilidades motoras são trabalhadas naturalmente. A música facilita a comunicação e as interligações entre os aspectos cognitivos, afetivos e motores gerando o desenvolvimento integral do indivíduo.
5 – No período da gestação já é possível pensar/falar em musicalização? Como ela se dá, a partir de qual fase e qual seu papel/importância?
Os bebês começam a ouvir gradativamente os sons por volta da 21º semana de gestação. Percebem os sons imersos no líquido amniótico onde o som se propaga com maior velocidade.
Os primeiros sons que ouvem são os que os rodeiam como as batidas do coração da mãe, os sons da circulação sanguínea periférica do útero, os movimentos peristálticos e os sons da digestão. Sons internos num ambiente rico em estímulos sonoros. Quando a gestante fala, o som da voz se sobressai de todo o ruído. Dessa maneira o feto ouve a voz da mãe e das pessoas que a cercam durante metade da gestação. O bebê ouve as características específicas da voz da mãe como timbre, ritmo, frequências e variações melódicas. E essas características diferem a mãe de qualquer outra pessoa. A voz de cada um é única, como a impressão digital.
É através do som da mãe e dos que estão à sua volta o primeiro contato com o ambiente no qual nascerá. Com essas constatações parece interessante um caminho que favoreça o vínculo entre mãe e filho durante a gestação. Ao meu ver, a música mais importante para essa criança nesse momento é a música de seus pais, principalmente de sua mãe por conta das vibrações produzidas no corpo que carrega o bebê. O canto de mãe acolhe e nutre esse feto com harmonia e segurança emocional.
6 – Os sons cantados têm efeitos e influências diferentes na criança do que os sons apenas tocados? Se sim, como eles devem ser dosados?
Todo som, mesmo em sua forma mais simples, determina, em nosso organismo reações diretas e indiretas. As diretas são reflexas, reações fisiológicas variáveis conforme as condições do indivíduo no momento. As indiretas acontecem quando a excitação musical atua sobre a representação das emoções musicais. Cada um de nós relaciona a música de forma particular em cada contexto.
Os sons cantados trazem ainda a individualidade de cada ser que canta, junto com a emoção do que está sendo vivido no momento, por quem produz o som e por quem ouve. Além de carregarem a linguagem verbal.
A primeira questão para refletir é sobre as palavras. O que as crianças estão cantando? E o que estão ouvindo? Desde muito cedo já entendem o sigificado de muitas palavras, mesmo quando ainda não adquiriram a fala.
Outro fator importante é o sentimento de quem canta no caso da criança ser ouvinte. A voz nos deixa transparentes e mostra o que a nossa alma está comunicando.
Além disso, cada parte do corpo têm uma frequência de ressonância que pode ser atingida por outras fontes de ressonância criando desarmonia ou sintonia. A musicoterapia estuda essas possibilidades.
Acho que a melhor maneira de dosar os efeitos do que é tocado e cantado é com o bom senso e muito amor.
7 – Um ritmo tem impacto diferente de outro na criança/bebê? Se sim, quais são mais indicados para cada faixa etária, considerando crianças de 0 a 3 anos?
Creio que os ritmos diferentes têm impactos distintos no bebê, na criança ou em qualquer indivíduo. O ritmo pode provocar sensações a baixo nível cerebral e ter como resposta reflexos espontâneos indomináveis, como acompanharmos uma música com a batida dos pés ou mexendo a cabeça.
O ritmo biológico e o musical podem entrar em sincronização. Podem ocorrer variações nas funções orgânicas, provocadas pelos elementos musicais, principalmente o ritmo. Os efeitos podem ser positivos ou negativos cita Clotilde Espínola Leinig. Quando com efeitos positivos pode revigorar, energizer, aumentar a força física e psíquica, produzir também um efeito adormecedor. Pode normalizar a respiração e consequentemente o batimento cardíaco. A percepção do ritmo segundo filósofos chega ao homem na vida fetal e é um elo com o mundo exterior, representado por sua mãe. O ritmo anima nossa vida motora e fisiológica.
Segundo Clotilde “O ritmo pode provocar efeito hipnótico e/ou levar à hysteria. Se for do tipo repetitivo, obsessive, causa depressão e se for lento, e que vá se tornando cada vez mais lento, poderá provocar o obscurecimento da consciência, especialmente se a melodia que o acompanha for sem fim, suprimindo a sensação de tempo.”
O ser humano é extremamente ritmico. Há ritmo no andar, na respiração, nos batimentos cardíacos, nos movimentos peristálticos e até mesmo nos hemisférios cerebrais. Ele é um dos primeiros elementos de percepção do homem e qualquer alteração em seu organiso provoca modificações no ritmo biológico.
A discordância ritmica entre o ritmo biológico e o musical, contra a qual o organism humano não tem defesa, a não ser a fuga, pode se constituir em perigo mortal para os seres vivos demonstrou o cientista alemão Kneutgen. Ele afirma que os organismos vivos possuem a tendência a acomodar o funcionamento de seus orgão a um ritmo sonoro exterior a eles. Fez uma demosntração com um peixinho em um aquário. Para o peixe não morrer asfixiado precisa de 43 aspirações por minuto. Se for colocado perto de um mecanismo que emita sons num ritmo de 40 por minuto, acontecerão 40 aspirações por minuto sem que o peixe possa aumentá-las. Ele tentará fugir para um local silencioso e se não for possível, morrerá asfixiado.
Segundo o Dr. John Diamond o rock e o pop em excesso são um problema por conta do ritmo padronizado que confunde o corpo e enfraquece os músculos. Os efeitos prejudiciais não aparecem no mesmo momento como no caso do peixinho mas em algum momento virão. ritmo e movimento são essenciais à vida, porém é preciso saber escolhê-los.
Creio que podemos notar nas crianças os efeitos dos ritmos enquanto escutamos uma música. Um ritmo mais agitado certamente levará essa euforia para o corpo. Os ritmos mais próximos dos batimentos cardíacos da mãe provavelmente vão acalentar. Mas é claro que seria impossível considerarmos apenas o ritmo de uma música, temos a melodia e normalmente também a harmonia que juntos formam a magia musical.
Um exemplo de utilização do ritmo pelas crianças é dado por Kenneth Bruscia. “ É interessante que as crianças comecem a repetir ritmos para elas próprias durante o período de desenvolvimeno chamado período de separação. O ritmo serve para desviar a ansiedade da separação, sendo seu objeto permanente.
8 – Existem técnicas ou músicas diferentes para estimular disciplinas diferentes? Por exemplo, se quero estimular o raciocínio lógico é de uma forma, se quero estimular a criatividade é de outra? Ou isso varia conforme as especificidades das crianças?
Com certeza varia conforme as especificidades das crianças e os momentos em questão. Além disso, depende de como essa música é utilizada. Se apenas para audição, acompanhada de uma brincadeira, junto com um brinquedo ou com uma proposta de movimentos, por exemplo. As músicas podem estimular o indivíduo de diversas maneiras dependendo da escolha dos sons e de como é conduzida a atividade.
9 – E quanto a dança? Ela tem funções diferentes? Quais?
“Se você muitos de meus alunos dançando nunca adivinhará que eles foram treinados pelo mesmo homem.”
Rudolf Laban, acreditava na necessidade de educar o homem, as pessoas que vivem em sociedade e estão constantemente submetidas a suas atrocidades. Enfatizava a importância da educação por meio da dança gerando o discurso da expressão, do sentimento e da comunicação. Acreditava na liberação do ser humano, no encontro do homem consigo mesmo em suas capacidades expressivas.
Através do movimento e da dança a criança ganha expressão e fluidez em suas capacidades físicas, emocionais e cognitivas. O corpo é expressão máxima da nossa singularidade humana, nossa entidade psicomotora. O gesto é individual, de cada ser, com suas particularidades e individualidades. Winnicot descreve a importância de conhecermos e sabermos o que fazer com nosso corpo: “Se não somos proprietários ao menos devemos ser os habitantes do nosso corpo.”
Para Barbara Haselbach, algumas são as funções da dança: descobrir a capacidade corporal de gestos e movimentos, praxia global, orientação espacial, treinar os sentidos, concentração, memória, socialização, criatividade, comportamento, domínio de uma linguagem corporal, habilidade crítica e construção da individualidade.
10 – O que é considerado dança? Como se define esse conceito?
“A dança é a expressão mais pura e imediata do ritmo.” afirmou Willems.
Para Isabel A. Marques, “A dança é um sistema de signos que permite a produção de significados. A dança como sistema quer dizer que ela é inicialmente, um conjunto organizado de elementos e suas possibilidades de combinação. Essas possibilidades de combinação – regras abertas – são os códigos. Códigos regem as combinações possíveis e infindáveis de tudo aquilo, qualquer coisa, em qualquer direção, que signifique algo para alguém em dança. Tudo aquilo, qualquer coisa, em qualquer direção, que signifique algo para alguém são os signos dos eventos da dança.
Na minha vivência, dançar é brincar com o corpo.
11 – E para crianças tão pequenas, de 0 a 3 anos, o que já pode ser considerado dança?
Imagino que antes de pensarmos no que é considerado dança poderíamos refletir sobre o corpo como fonte maior de aprendizagem. Descobrir, conhecer, perceber e organizar o corpo é a base para a chegada das novidades que transformam e trazem significados. O vocabulário da dança é constituido de gestos e movimentos, e que são criados desde a vida intra-uterina. São modificados com o tempo, com o desenvolvimento e com os ambientes. E trazem uma combinação de variantes única para cada ser. Do meu ponto de vista, essas características corporais de cada um trazem o início da dança. A dança de ser, de deixar ser.
Mas é claro que vários autores trabalham o conceito de dança de outra maneira. Assim como é com a música. Alguns consideram que é necessário mais que experimentar as letras do alfabeto e alguns vocábulos. Para esses, o importante é formar palavras e frases que façam sentido num determinado contexto. Creio que isso aconteça com todas as manifestações artísticas, essa dicotomia. A partir de quando se torna dança? Ou música? Ou arte-plástica? A exploração livre das expressões humanas gera belos produtos, únicos e ricos de alma de cada ser. Essa se torna uma questão filosófica e com certeza depende do contexto histórico e cultural em que estamos inseridos.
12 – Dançar de um jeito ou de outro tem impactos diferentes? Por favor, explique.
É importante ressaltar que o corpo é uma unidade com aspectos motores, cognitivos e emocionais. E é com a correlação deles que a dança é expressada. Sendo assim, os impactos da dança serão distintos em cada ser e em cada situação. Podemos começar pensando que a dança pode ser de um ser isolado, ou de dois ou de um grupo. Cada uma das situações vai gerar uma necessidade de movimento, raciocínios, sentimentos e sensações. A partir daí pensamos que o tipo de dança modifica totalmente o contexto. Existem muitos tipos de danças, como por exemplo: clássicas, contemporâneas, históricas, folclóricas, étnicas, percussivas, religiosas, sociais, para ginástica, contradança, improvisações, e muitas outras. Cada uma gera um impacto particular.
E ainda existe o impacto físico para o corpo. A dança e a repetição de movimentos pode reeducar o corpo ou gerar um novo automatismo nem sempre saudável.
13 – A nova geração de crianças multitarefas têm particularidades neste sentido? Se sim quais e como lidar com elas?
Creio que a maior particularidade das crianças multitarefadas é a falta de espaço para simplesmente ser. É muito importante que a crianca tenha tempo suficiente para brincar livremente e criar suas brincadeiras. A partir desses momentos vai se conhecer, conhecer o outro e o mundo que a rodeia. Isso, pensando na formação integral do ser humano, com relação a todas as linguagens e áreas de expressão. É necessário enxergar a individualidade de cada um e educar para o coletivo. Criar espaços para as vivências é uma boa alternativa para isso. Espaço para criação de gestos e movimentos. Espaços para criação de sons. Espaços para brincar com o corpo. Que podem ser estimulados mas que em alguns momentos podem também acontecer sem interferência de adultos, a não ser que sejam requisitados. Todos precisamos descobrir nossas habilidades, potencialidades e limites. Passamos a vida inteira nessa busca, quanto antes começarmos melhor será a relação consigo, com o outro e com o mundo.
14 – Você acredita em sons universais? Ou seja, os que são assimilados/entendidos e impactam qualquer crianças de qualquer lugar do mundo? Se sim, como funciona. Poderia exemplificar?
Sim. Acredito. Primeiro acredito que existem sons iguais em todas as partes do mundo e que ainda sabe-se pouco sobre as ressonâncias dos mesmos. Além disso tem algo prático que pode ocorrer. Se um músico sai de um país e vai para outro muito distante encontrar-se com uma orquestra para fazer um concerto, eles vão falar a mesma língua e trabalharão com a mesma aquarela de sons. Seja pelos timbres como pela linguagem musical, escrita ou não. Claro que a partir daí existem características culturais que diferem cada lugar. Assim, cada cultura possui seus instrumentos, seus timbres, as maneiras de cantar, as escalas musicais, as frases, os ritmos etc.
Mas temos sons universais! Vou exemplificar com a escala pentatônica. Se cantarmos essa escala em qualquer lugar do mundo ela será assimilada. “Essa escala faz parte de todas as estruturas sonoras das melodias e canções infantis de todas as raças e de todas as latitudes do mundo.”- afirma Rolando Benenzon. Isso acontece desde as culturas mais antigas até as mais recentes. É como se fizesse parte do mosaico genético humano, chegando ao nível do inconsciente.
15 – Em quais teorias/autores você se baseia quanto aos meios e conceitos de musicalização?
Tenho algumas referências marcantes. O trabalho realizado na Escola de Música de Jundiaí por Josette Feres e Luciana Nagumo, sua filha, seja talvez a mais forte delas. Margareth Darezzo é outra arte-educadora com a qual aprendi e aprendo muito, principalmente sobre os aspectos do desenvolvimento infantil.
Ainda tive a honra de ter aulas com Lydia Hortélio, Barbara Haselbach, Sofia López-Ibor, Fernando Sardo, Iramar Rodrigues, Elvira Drummond, Keith Terry, Fernando Barba e Barbatuques, Teca Alencar de Brito, Violeta Gainza, Viviane Beineke, Estevão Marques, Deise Alves, Lucilene Silva, Kofi Gbolonyo, Dinho Gonçalves, Ari Colares, Décio Gioielli, Sandra Oak, Magda Pucci, Carlos Miró Cortez, Rosane Almeida, Maria Amélia Pereira, entre outros.
Além disso, outros educadores musicais fazem parte dessa bagagem: Émile Jaques-Dalcroze, Zoltán Kodaly, Edgard Willems, Carl Orff, John Paynter, Murray Shafer, Joachim Koellreutter, Villa-Lobos.
O material pesquisado, deixado e/ou composto por Mário de Andrade, Câmara Cascudo, Camargo Guarnieri e muitos outros também agrega conhecimentos para a contrução dessa arte-educadora.
E, é claro as músicas! Muitas músicas! De diversos compositores, de muitas culturas, da cultura popular, dos estudiosos, das crianças, das orquestras, da vida cotidiana, do trabalho, das mulheres, dos homens e do universo.
Tudo isso misturado a outras tantas vivências de música, dança, educação, saúde e arte formam a base do meu trabalho.
16 – A neurociência tem ajudado no desenvolvimento dessa prática? Se sim, a partir de quando, como e por quê?
Com certeza a neurociência tem ajudado muito no desenvolvimento de todas as práticas relacionadas à aprendizagem. Se aprender é modificar uma ampla rede de comunicações cerebrais e mentais e consequentemente fortalecê-las, me parece de suma importância que conheçamos o que estiver ao nosso alcance sobre essa ciencia do Sistema Nervoso.
“O cérebro é como um gigante adormecido”- cita Tony Buzan. Sendo assim podemos aprender em qualquer momento de nossas vidas, do nscimento ao fim da vida. Se conhemos mais sobre o asunto podemos otimizar o processo de aprendizagem.
A neurociência nos mostra quais as partes desse sitema e para que servem. Como funcionam e como podemos otimizar esse funcionamento. E ainda nos dá a oportunidade de descobrir as dificuldades de aprendizagem a partir das características de cada região e de cada contexto. Estudamos o desenvolvimento do ser e descobrimos que em cada momento criança possui habilidades e limitações distintas. Na área da música especificamente, existem muitos estudos e bastante material publicado sobre as correlações com a neurociência. Com isso tomamos conhecimento dos efeitos da música no ser humano, conseguimos planejar melhor as atividades que serão trabalhadas em cada fase do desenvolvimento e fazemos um trabalho consistente, com embasamento.
17 – Como o professor da educação infantil pode inserir a musicalização no dia a dia das crianças. Poderia dar alguns exemplos de atividades que ele pode desenvolver?
Acho que a maneira mais natural de inserir a musicalização no dia a dia das crianças é a partir das brincadeiras. Temos que lembrar que aprendemos com o que dá prazer. E é isso que fica em nossas vidas.
Existem muitas brincadeiras com músicas, brincadeiras de roda e brinquedos cantados. Posso citar algumas: “Vai abóbora”, “Corre-cotia”, “Lagarta pintada”, “Abre a roda tindolelê”, “Brincadeira da Comida Brasileira”, “Caranguejo não é peixe”, e muitas outras. O importante é cantar e brincar. Para quem se interessar, existem duas pesquisadoras desse repertório popular infantil que são minhas referências: Lydia Hortélio e Lucilene Silva.
Uma outra questão importante é a percepção dos sons, dos próprios, dos outros, dos objetos e do ambiente. O professor pode brincar com a descoberta dos sons. Como criar músicas com objetos do cotidiano, por exemplo. Separar os sons em categorias. E até mesmo construir instrumentos sonoros com materiais do cotidiano, sucata e reciclados. Uma garrafinha e algumas sementes podem virar um lindo chocalho por exemplo. Uma caixa de pizza com grãos dentro pode trazer a lembrança do som do mar. Descubra com as crianças e inventem instrumentos para vocês e não esqueçam de dar nomes.
Sendo o nosso aprendizado proveniente de nosso corpo não podemos deixar de brincar com os sons dele. Descobrir quais sons produzimos e ouvir os nossos sons fazem parte do processo de apropriação do próprio corpo.
Podemos trabalhar com a sonorização de histórias, podemos cantar uma história como por exemplo da “Linda Rosa Juvenil” e ainda criar uma história apenas com sons.
O educador pode ainda propor uma apreciação musical com o desenvolvimento de uma atividade de artes-plásticas.
São infinitas as possibilidades. Pesquise, crie, ouça, brinque, toque, dance, cante e silencie.
18 – Existem trabalhos musicais para tratamento de distúrbios de aprendizagem? Se sim, poderia falar a respeito e ilustrar com algumas situações vivenciadas por você ou com exemplos práticos?
Sei de muitos trabalhos que envolvem a psicomotricidade e o tratamento dos distúrbios de aprendizagem. E muitas utilidades para a música dentro da psicomotricidade. Também tenho comigo as minhas vivências e experiências em sala de aula e fora dela. Acredito num trabalho conjunto para o desenvolvimento integral do ser, dessa maneira creio na junção de várias áreas em prol de um mesmo fim, principalmente quando falamos sobre tratamentos. O primeiro passo é descobrir a questão. A partir daí procuramos os profissionais adequados para o caso e que juntos aumentam as possibilidades de sucesso no tratamento. “Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos…que com muitos outros galos se cruzem os fios de sol de seus gritos de galo, para que a manhã, desde uma teia tênue, se vá tecendo, entre todos os galos.”- João Cabral de Melo Neto.
Na minha vivência tive a bela oportunidade de trabalhar com vários casos e é de extrema importância que o educador, junto com a escolar fiquem atentos para observar esses seres. Os professores não podem diagnosticar mas se estudam e pesquisam podem reconhecer características para indicação de um tratamento. E isso é muito sério! Quanto antes a criança tiver a oportunidade de receber cuidados e atenção devida, mais poderá deenvolver suas capacidades e habilidades.
Muitas vezes há um encaminhamento para um neuropediatra que dará o diagnóstico e indicará a terapia adequada. E a partir daí entram medicos, psicomotricistas, psicopedagogos, psicólogos, fonoaudiólogos, musicoterapeutas e terapeuras em geral.
19 – O brincar hoje tem sua importância reconhecida, mas as escolas sabem realmente o que significa esse brincar, em sua opinião?
Na minha opinião talvez saibam, como eu poderia falar sobre o que o outro sabe? Eu não sei. O que vejo é que nem sempre o brincar é respeitado, nem sempre a infância é respeitada. Respeitada no sentido de escutar, olhar, sentir e perceber o tempo da criança. Deixar o outro ser. Permitir que aquela pessoa se descubra, no meio de brincadeiras, pessoas e ambientes. No contexto da escolar, da família e do mundo. É preciso espaço para simplesmente ser. A criança brinca a todo instante, ou pelo menos seria assim o natural. Os aprendizados chegam de qualquer maneira, independentemente do que seja feito. As vivências são sempre importantes. O que vivenciamos fica marcado para sempre em nossos corpos e mentes. E nem sempre precisa-se da interferência do adulto. A não ser que este seja convocado pelas crianças. Experimente observar como as crianças criam e resolvem os conflitos, como cada um caminha, cada gesto dos seres, ouça as vozes, sinta os cheiros, o toque e brinque.
“É no brincar, e talvez apenas no brincar, que a criança ou o adulto fruem sua liberdade de criação.” – Winnicott
20 – Se sim, o que ele significa e como deve se dar no contexto escolar? Se não, o que ele significa e onde as instituições erram?
A criança é criadora, inventa um mundo para si, colocando uma nova ordem nas coisas que estão à sua volta. Com maestria organiza e desorganiza. Constrói e destrói. Testa e experimenta diversas possibilidades. É naturalmente cientista da vida. Pesquisa e aprende com o corpo e com as sensações, com as emoções e com o cérebro.
A infância se apresenta em constante movimento, traz o sabor de desconhecer o conhecido. A brincadeira, combustível da infância, é sempre um universo de descobertas, vivências, criações e aprendizados. O mundo é novo para as crianças e elas estão sempre tentando interpretá-lo. São aprendizes ativos, buscando compreender e conhecer o que está à sua volta.
O desejo de compreender surge das experiências cotidianas e rotineiras. Criam muitos de seus próprios estímulos observando e, ativamente, exploram as coisas ao brincarem e viverem no dia-a-dia. O aprendizado vem junto com o prazer de desfrutar os momentos, cada qual no seu tempo.
Há oportunidades para a aprendizagem por todos os lados ao longo da vida. Na maioria das vezes basta deixar ser. E nós, o que queremos aprender?
21 – Qual o papel do professor nesse brincar, se ele deve ser espontâneo e livre?
O papel do professor nesse brincar começa com a observação. Observar é fundamental para conhecer. Se queremos educar precisamos conhecer quem queremos educar. A partir daí podemos ver e acreditar em cada um como seres capazes e criadores. Então podemos experimentar entrar na brincadeira da criança e permitir que ela tenha espaço para crescer. O professor deve ser espontâneo e livre sim, mas precisa de muito estudo e muita seriedade porque educar é uma atividade que requer muita atenção e dedicação com o outro e consigo. Quem educa aprende a cada segundo. E o educador precisa estar aberto para o novo. Para as transformações, as mudanças. E brincar! Estudar mais e lembrar todos os dias da importância de seu papel na vida das crianças e suas famílias.
22 – Neste sentido, as brincadeiras organizadas pelos adultos não têm valia? Por favor, explique.
Claro que têm valia. Estou falando sobre deixar a criança ser mas também não significa que ela não vá experimentar seguir regras e aprender limites. Tudo sempre de uma maneira divertida e prazerosa mas também entrando no leque de aprendizados. Quando em família, as brincadeiras são de extrema importância se organizadas pelos pais ou pelas crianças. Esses momentos aumentam o vínculo da família.
No contexto da educação, creio que exista um limite invisível e tênue entre deixar acontecer e proporcionar. O educador pode criar um ambiente mágico, por exemplo, extremamente propício para descobertas e vivências e não interferer nas ações das crianças, mas sim, brincar junto. Pode encher uma sala de folhas e flores, pendurar, colar, deixar no chão. Talvez possa brincar com frutas. E abrir o espaço para a chegada das crianças. Imagina o que vão decobrir e desfrutar. A partir daí, pode por exemplo contar uma história ou dependendo da idade inventar uma. São as infinitas possibilidades.
E o repensar diário sobre nosso papel como educadores!
23 – Mesmo o bebê também brinca, certo? Quais ações são consideradas uma brincadeira para o bebê e como estimular brincadeiras com crianças tão pequenas? Poderia exemplificar?
Sim, o bebê brinca. Brinca muito! Conexões estão sendo feitas no cérebro e as informações são decodificadas e categorizadas todo o tempo. As brincadeiras servem para proporcionar esses momentos e para encaixá-los. São fundamentais para o desenvolvimento motor, cognitivo e emocional da criança. E lembre-se, a repetição faz parte desses aprendizados. O cérebro aprende o que repete.
Vou descrever algumas brincadeiras na próxima questão.
24 – Poderia dar exemplos de brincadeiras indispensáveis para a faixa de 0 a 3 anos, separando por idade e discriminando suas funções, sejam motoras, psicológicas, emocionais, etc.
Vamos considerer que as brincadeiras propostas abaixo, trabalham as questões motoras, psicológicas e emocionais como não desvinculadas umas das outras mas sim interligadas. E são apenas alguns exemplos.
Recém-nascido até 3 meses:
Dance com seu filho, faça movimentos de balanceio que são tão familiares para ele. Coloque músicas adequadas num bom volume e divirtam-se. Procure não fazer movimentos bruscos e cuidado com a escolha das músicas. Citei anteriormente que os efeitos da música são maiores que pensamos.
Mostre objetos distintos e nomeie. Acabaram de chegar e querem conhecer o que está ao redor.
Cante e conte histórias!
3 meses a seis meses:
- Deixe-o de bruços. Coloque alguns objetos interessantes a frente, brinque com ele. Estimulamos o engatinhar.
- Brinque de aviãozinho levando o bebê para passear em cima, em baixo, para os lados.
Seis a oito meses:
- Brinque de esconder.
- Brincadeiras com bolas de diversos tamanhos e texturas.
- Nove meses a um ano:
- Brincadeiras com blocos.
- Seu metre mandou (imitaçãoo de gestos).
- Quinze meses:
- Jogos rítmicos.
- Brincar com os sons produzidos pelo bebê.
- Dezoito meses:
- Arrumar e desarrumar.
- Brincadeiras no espelho e com as partes do corpo.
- Dois anos:
- Brincar de boneca e inventar histórias.
- Desenhar mãos e pés com giz de cera. Desenhar o corpo.
- Três anos:
- Brincar de faz de conta.
- Jogos com bolas e/ou bambolês.